terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sobrevivendo de luz


Sobrevivendo de luz


Estudo descreve inseto capaz de se alimentar de energia luminosa. Descrito pela primeira vez em animais, o fenômeno é semelhante à fotossíntese das plantas, mas serve apenas como alternativa durante períodos de escassez de alimentos.
Por: Mariana Rocha
Publicado em 03/09/2012 | Atualizado em 03/09/2012

O mecanismo pelo qual os pulgões ‘Acyrthosiphon pisum’ absorvem luz ainda não está bem estabelecido, mas os pesquisadores apostam na relação com o pigmento carotenoide, responsável pelo tom alaranjado do exemplar fotografado. (foto: J. C. Valmalette).

Fotossíntese em inseto? Não exatamente, mas quase. Pesquisadores franceses identificaram uma espécie de pulgão (Acyrthosiphon pisum) que absorve energia luminosa para se nutrir. Os resultados foram publicados na revista Nature.
A descoberta é resultado de um experimento em que os insetos passaram por ciclos de exposição a ambientes com e sem luz. Após cada ciclo, os cientistas mediram a quantidade de adenosina trifosfato (ATP), molécula que armazena energia, produzida pelos pulgões. O resultado foi surpreendente: quando o inseto era posto em um lugar iluminado, a síntese de ATP era duas vezes maior.
Segundo Jean-Cristophe Valmalette, físico da Universidade do Sul Toulon-Var, na França, e coautor do estudo, a variação da síntese de ATP nas duas situações comprova a transformação da energia luminosa em energia química nos insetos. “Em geral, a ATP é produzida a partir da glicose obtida na alimentação, mas, no caso das plantas e desses pulgões, ele é gerado a partir da luz”, explica.
A equipe ainda não sabe dizer ao certo como esses insetos fazem a captação de luz, mas apostam na relação do carotenoide com o fenômeno. Produzido apenas por plantas e alguns microrganismos, o pigmento parece ter se tornado produto do metabolismo dos pulgões após a aquisição do gene de um fungo ou bactéria, já que a seiva da planta que serve como alimento para a espécie não contém essa substância.
“O carotenoide está em vegetais como a cenoura e é muito importante para a alimentação de diversos animais, mas o único que produz esse pigmento é o pulgão”, revela Valmalette.

Diferenças de cor

Uma evidência do envolvimento dos carotenoides no fenômeno está nas cores dos insetos observados no estudo. Enquanto pulgões alaranjados – que possuem essa cor em função da produção de carotenoides – exibiram grande variação da síntese de ATP em ambiente com e sem luz, os insetos brancos – que não produzem o pigmento – não mostraram a mesma variação.
Os pesquisadores também observaram pulgões verdes, que, apesar de serem os maiores produtores de carotenoides da espécie, têm essa cor devido à associação da substância a outros pigmentos. “Eles têm muito pigmento, mas não exibiram variação na síntese de ATP porque têm uma reserva de energia maior que os outros e precisam ficar mais tempo sem alimento para escolher usar a energia da luz.”

Pulgões verdes também foram estudados, mas como eles têm uma reserva de energia maior que os outros – por necessidades ambientais –, precisariam ficar mais tempo sem alimento para usar a energia da luz. Sua cor é resultante da associação da carotenoide com outros pigmentos. (foto: Shipher Wu/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

A cor dos pulgões oferece indícios sobre o lugar de nascimento desses insetos. Enquanto os alaranjados habitam locais com temperatura ideal – média de 22° C –, os verdes nascem em lugares frios e os brancos, em ambiente com pouca comida disponível. “Os brancos precisam de uma alternativa para obter energia, mas não produzem carotenoides porque essa molécula é cara para o metabolismo”, diz o físico. “Entretanto, quando ainda são filhotes, adquirem asas e voam para locais com mais alimento, podendo originar populações de outra cor.”

Pulgão x lesma

“É por conseguir sobreviver mesmo na ausência de alimentos que a espécie está em nosso planeta há 250 milhões de anos”
Quem acompanha a busca dos cientistas por um animal capaz de fazer fotossíntese pode ter lembrado da Elysia chloroticauma lesma que consegue absorver a energia da luz após se alimentar de algas. “Alguns jornais divulgaram a informação de maneira errada, pois a lesma não produz nenhum pigmento e depende da clorofila da alga que comeu”, explica Valmelette.
Diferentemente da lesma, o pulgão possui o gene para a produção de carotenoide e pode passar a característica para os filhotes. “É por conseguir sobreviver mesmo na ausência de alimentos que a espécie está em nosso planeta há 250 milhões de anos”, completa o pesquisador.

Mariana RochaCHC On-line


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